quinta-feira, 5 de abril de 2012

MANDALLA VERDE - GLOBO RURAL



Projeto Mandalla, sistema de canteiros concêntricos formados ao redor de fonte d´água, gera trabalho e renda
Quem vê pela primeira vez acha a idéia um pouco estranha. Ao invés de uma plantação tradicional, os canteiros são circulares, formados ao redor de uma fonte d'água. A inspiração vem da mandalla, símbolo cultivado desde a antigüidade que representa a relação do homem com o universo ou ainda os planetas ao redor do sol.
Idealizado pelo administrador Willy Pessoa, o sistema mandalla vem revolucionando a vida de agricultores familiares.
O sistema tem até nove círculos concêntricos de dois metros de largura. No reservatório de água, o agricultor pode criar peixes e patos, cujas fezes fertilizam os canteiros. Os três primeiros círculos servem ao plantio de hortaliças. Os próximos cinco, para culturas diversas. E o último canteiro serve à proteção ambiental, podendo receber plantas nativas, medicinais ou frutíferas.
Com custo de 1.250 a 1.300 reais a mandalla deve ser implantada em área de 2,5 mil metros quadrados, podendo ser feita em dois dias. Não é necessário construir todos os círculos de uma vez. Trabalhe o primeiro até estar todo cultivado e aí prossiga ao segundo até chegar ao último. As quantidades de materiais para a construção variam segundo o diâmetro das esferas. A primeira tem 31,4 metros de mangueira e a última, 131 metros.
Ainda tem dúvidas leia esta reportagem da Revista Globo Rural
O círculo da vida
no sertão paraibano, ajudando a reativar a economia
Texto José Augusto Bezerra

Fotos Ernesto de Souza
Rosa Amélia pára de debulhar feijão, equilibra o papagaio no braço e responde ao interlocutor, interessado em saber sua opinião sobre a Mandalla instalada no fundo do quintal, no Assentamento Acauã, em Aparecida, PB: "Homem, no início parecia projeto de gente louca, mas a gente não tinha as verduras que tem agora, nem frutas como essas, nem nada", compara, apontando goiabas sobre a pia, com as quais faria um doce para o marido, Francisco Alves Batista, o seu Chico, de 71 anos. "Ninguém mais passa fome por aqui", complementa, antes de voltar a esbagoar feijão. Ela se referia às dificuldades nos primeiros anos do assentamento, situado a sete quilômetros da sede do município, e genericamente ao sertão nordestino, onde milhares de pessoas vivem arrochadas, tentando escapar das estatísticas do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do governo federal, e da FGV - Fundação Getulio Vargas, segundo as quais há cerca de 50 milhões de pobres no país. Ao contrário do que ocorre com essa massa de brasileiros, seu Chico anda contente ultimamente.

Para uns, a causa é o fogão solar recém-adquirido, no qual faz arroz, feijão, mungunzá, churrasco e outras comidas. Para outros, é Rosa Amélia, 36 anos mais nova. Ele concorda com as duas versões, especialmente com a segunda, porém revela que, fora do casamento, não tinha motivos para contentamento até quatro anos atrás, quando começaram a construir a primeira Mandalla, sistema de cultivo irrigado conduzido em

Fotos dos círculos da Mandalla
canteiros circulares formados ao redor de fonte d´água, desenvolvido por Willy Pessoa, de 55 anos, coordenador da Agência Mandalla, organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), sediada em João Pessoa. "Foi um rebuliço", lembra Seu Chico. Para os assentados, foi uma revolução e tanto. "Antes, a gente mal tinha o que comer e precisava brigar por água", explica Maria do Socorro Govêia, da associação local dos agricultores, referindo-se à década passada, quando chegaram a enfrentar a polícia para encher barris e latas no canal da Redenção, a um quilômetro de distância. "A vida melhorou", diz ela. "A população está mais unida, cheia de planos."
Um deles é a construção de três Mandallas de 12 círculos e 50 metros de diâmetro cada uma. As de Acauã, com três canteiros e tanques com seis metros de diâmetro, foram idealizadas para fornecer alimentos às famílias. As grandes servem à produção coletiva e comercialização conjunta do excedente em hortaliças, frutas, grãos, carne, leite, couro e derivados em parceria, em condições de fornecer renda para todos e, no futuro,
Foto detalhada do micro aspersor de cotonete
"Essa é a idéia básica", afirma Willy, administrador de empresas com formação holística, que estuda o assunto há 30 anos. Segundo ele, não se trata apenas de abrir buracos no chão e formar canteiros em volta. "O objetivo é resgatar a dignidade do homem do campo a partir da injeção de informações e viabilizar a pequena propriedade com soluções simples, de baixo custo", resume.
O conceito que permeia o projeto - a interação entre os elementos, cada um deles influenciando o outro - e seu próprio nome vêm da "Mandalla cósmica", representação gráfica do universo. A palavra significa "círculo", em sânscrito. Símbolo universal, cultuado desde a antigüidade, caracteriza-se por traçados ao redor de um ponto central, obedecendo a eixos de simetria. Seu contorno exterior não é necessariamente circular mas dá a idéia de irradiar-se de um centro ou mover-se em direção a ele. "Esse é um aspecto importante", ressalta Willy. "Queremos mostrar ao agricultor que é possível crescer, ampliar os horizontes e conseguir um lugar ao sol".
A Mandalla básica compõe-se de um tanque circular com três metros de raio e 1,80 metro de profundidade, capaz de armazenar 30 mil litros d'água, bombeada através de tubos plásticos perfurados de modo a se aproveitar cotonetes de ouvido, por exemplo - uma de suas pontas é presa ao furo. A outra é vedada a fogo. O jorro d'água, capaz de alcançar um metro de distância em qualquer direção, bastando para tanto girar a haste oca, sai de um corte feito na lateral. "É tecnologia de ponta", brinca Tárcio Handel, coordenador de gestão estratégica da Agência Mandalla. "Funciona".
O tanque também ajuda a criação de peixes, patos ou marrecos. Suas fezes, ricas em nitrogênio e potássio, respectivamente, contribuirão para fertilizar os canteiros, cujas folhas, frutos ou grãos servirão de adubo para outras plantas ou de alimento a homens e bichos. Além do cotonete, o projeto oferece outras soluções engenhosas, como a instalação de uma lâmpada sobre o tanque para atrair insetos à noite e alimentar os peixes, e a utilização de um "chiqueiro-móvel" sobre os canteiros. Conhecido por galinheiro-tailandês,
Foto detalhe do galinheiro tailandês
é uma espécie de pirâmide telada de dois metros de comprimento por 1,5 de altura e um de largura, com estrutura de sustentação de madeira, dentro do qual são confinadas de cinco a oito galinhas - elas ficam ciscando durante 20 dias, afofando a terra para o plantio e adubando-a com seus dejetos. Depois, basta posicionar o galinheiro mais adiante, repetindo a operação até completar o círculo.
No ano passado, a Agência Mandalla conquistou o Prêmio Tecnologia Social, da Fundação Banco do Brasil. No início deste ano, ganhou o Prêmio Crescer, da Pepsi Company, como um dos projetos sociais mais inovadores do país, e apoio da Bayer CropScience, uma das divisões do grupo Bayer, multinacional sediada em Monheim, Alemanha. Líder do mercado mundial de produtos fitossanitários, a empresa já investiu 300 mil reais no projeto, beneficiando 200 famílias em Aparecida e em Cruz do Espírito Santo, perto de João Pessoa. Segundo Eckart-Michael Pohl, gerente de comunicação empresarial, faz parte das ações da empresa em apoio ao programa Fome Zero, do governo federal. "É um conceito revolucionário, que terá repercussão em todo o mundo", prenuncia Marc Reichardt, presidente da Bayer CropScience Brasil - Cone Sul, que visitou o assentamento em abril. Em sua opinião, trata-se de modelo de desenvolvimento sustentável que pode ser adotado em muitos países.
Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Bahia e Maranhão já têm Mandallas instaladas. "É a saída para os pequenos municípios", assegura Caetano Rocha, secretário de administração e agricultura do município de Uruoca, de pouco mais de 11 mil habitantes, situado na região de Sobral, norte do Ceará. "Não temos condições de atrair empresas para gerar emprego e renda", justifica. Ele quer construir Mandallas nas escolas, incentivando as crianças se alimentar melhor e ensinando-as a valorizar a agricultura. Segundo Willy, uma Mandalla pequena, como as do assentamento Acauã, custa de 600 a mil reais, incluindo os gastos com sementes. As maiores, com nove canteiros e área equivalente a 1/4 hectare, cerca de três mil. Num experimento classificado como Moisés - Módulo Integrado de Sustentabilidade Econômico Social, com dois hectares de área e quatro Mandallas próximas, exploradas em conjunto, a agência comprovou a possibilidade de se obter até cinco mil reais mensais de renda, graças à redução de custos e comercialização coletiva. Ele garante que um agricultor pode conseguir 1,7 mil reais ao mês com uma única Mandalla. Essa é a meta prevista para o final do ano no assentamento Santa Helena, município de Cruz do Espírito Santo, a 45 quilômetros da capital paraibana.
José Cardoso da Silva, de 56 anos, não teme o desafio. Até 2003, ele pastoreava gado em fazenda próxima, em troca de "comissão" de 100 reais ao ano por cada animal vendido, se fossem vendidos. Enquanto o rebanho engordava, ele emagrecia. "Fiquei de pé porque Jesus é bom e sou homem batalhador", afirma, assegurando que só não passou fome com a ajuda de vizinhos e ao cultivo de hortaliças. Seu Cardoso foi escolhido para participar do projeto-piloto pela experiência como horticultor - em médio prazo, a Agência e a Bayer pretendem atrair as outras 44 famílias assentadas. Por enquanto, os vizinhos estão apenas observando, embora já tivessem sido chamados a participar. "Acho que eles estão esperando resultados", avalia disposto a ensinar a qualquer um o que já aprendeu e a explicar as vantagens do sistema. "Antes, seis braços não davam vencimento no fazer cacimbinhas e aguar as plantas com regador. Agora, uma pessoa cuida de tudo", complementa satisfeito. A esposa, dona Odete, faz a feira em Sapé, Cabedelo e outras cidades da região e ainda ajuda na roça. O filho Marconi, de 23 anos, cuida da administração e da manutenção dos equipamentos. No total, trabalham oito pessoas, dando de comer a 20 bocas, entre parentes e agregados. Família cria tilápias, patos e marrecos, planta alface, couve, tomate, cenoura, maxixe, coentro, batata, pimentão, milho e macaxeira, e também dispõem de galinhas, algumas codornas, quatro cabras e três vacas. Seu Cardoso não esquece o momento em que a primeira vaquinha chegou ao sítio. "Foi o dia mais feliz da minha vida", lembra. A Mandalla já lhe dá 800 reais brutos ao mês, o equivalente a 1,5 salário para cada um, segundo Marconi, mas ele quer provar que pode chegar a 1,7 mil reais mensais. Ultimamente, ele anda tão contente quanto seu Chico. "Perto do que passei há um ano, tô rico".
A Mandalla básica repete o desenho do sistema solar. No centro, o sol, ou tanque de água, com o vértice de madeira que sustenta as mangueiras de irrigação e, ao redor dele, as órbitas dos planetas - os canteiros. Os três primeiros (em verde-claro) servem ao plantio de hortaliças, para alimentar as famílias. Os outros cinco (verde), para culturas diversas, dependendo das necessidades de mercado e/ou interesse do produtor ou produtores, caso o cultivo seja feito coletivamente. O último canteiro é destinado à proteção ambiental: cerca - vivas ou plantas de porte, para controlar a infestação de insetos daninhos e evitar ventos excessivos. Criado em 1955 pelo INCRA, o assentamento Acauã foi instalado em terras da fazenda homônima, situado no município de Aparecida, região de Souza, extremo oeste do estado. Com 2.825 hectares de área, abriga 600 habitantes, divididos entre 114 famílias.
A primeira Mandalla foi instalada ali em janeiro de 2001, como unidade demonstrativa. Hoje, já são 64. A sede da fazenda é considerada marco arquitetônico, histórico e cultural do estado, compondo-se de casa grande, sobrado e uma capela em louvor à Imaculada Conceição. Datada de 1700, é o mais antigo e foi um dos mais ricos criatórios de gado e celeiro de algodão do sertão da Paraíba, local por onde passaram importantes vultos da história, como o revolucionário Frei Caneca e o presidente da Província, João Suassuna, pai do escritor Ariano Suassuna, que chegou a morar ali, quando criança. A fazenda é um retrato da decadência do campo, preterido em meados do século passado pelos sucessivos governos federais, em favor da industrialização - só agora a agricultura voltou a ser valorizada no país. Na região de Cruz do Espírito Santo, berço de Augusto dos Anjos, o campo também se esvaziou nas últimas décadas, devido à crise no setor canavieiro. Sem competitividade, várias usinas de açúcar e álcool foram desativadas, com enorme impacto sobre a economia. Centenas de pessoas ficaram desempregadas, empresas faliram, os negócios refluíram. O Engenho Pau Dárco, onde o poeta nasceu, não funciona mais, mas o pé de tamarindo sob o qual escreveu seus primeiros versos continua de pé. Hoje, boa parte do dinheiro circulante no sertão vem de aposentadorias e pensões. A Mandalla é uma das raras alternativas para gerar ocupação e renda na região. Sua premissa básica é buscar o maior retorno possível com o mínimo de investimentos.

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